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Promessa é para ser paga

Publicado: fevereiro 4, 2012 em baianidade, crônicas

Brasília, 04 de Fevereiro de 2012

Um certo baiano uma vez pediu uma graça ao Sr. do Bonfim. Destas graças dificultosas, que pedimos sabendo que não conseguiremos, que são complicadas até pro Santo. Tipo pedido para Nossa Senhora das Causas Impossíveis. Pedido feito, comprometeu-se com o Sr. da Colina Sagrada, que iria do Rio Vermelho, onde mora, ao Bonfim de joelhos! Feito complicado para o mais ateniense dos atletas! O tempo passa e não é que o milagre aconteceu! Comovido, o devoto baiano agradeceu com lágrimas ao bom Santo! E esqueceu da promessa! Sabe com é: nesse corre-corre da vida de hoje, em especial na Bahia, é fácil esquecer das coisas…

Sabendo do prometido, Tonho, seu melhor amigo, rememorou a fraca lembrança do fiel:

– Vc têm que pagar! Promessa a Santo não pode faiar! Dá urucubaca na certa!

– Mas Toinho, como passo ir de joelho lá pro outro lado do mundo?

Todo bom baiano, especialmente os soteropolitanos, sabe que o mundo é a Bahia, Bahia de São Salvador!

Encafifado, e com medo de urucubaca que se pela, determinado, decidiu:

– Eu vou, não quero o Sr. retado comigo.

No largo de Santa’na, procurou, procurou… e achou! Um desses táxis velhos, fusquinha amarelo sem banco do carona. Entrou, ajoelhou no lugar do banco e ordenou ao motorista:

– Toca pro Bonfim!

Gorgonio Araújo

Um buzu na Bahia

Publicado: janeiro 22, 2010 em baianidade
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Saímos ontem atrasados, as seis e trinta, para quem queria sair junto com o hino do Senhor do Bonfim! Íamos de ônibus para o Parque de Exposições, chegar cedo para o Festival de Verão. Garantir lugar na frente, ouvir e ver de perto o Herbert, o Saulo, Ivete e o casal do “Aviões do Forró”! Não sabia que o transporte nos traria tantas surpresas! 15 minutos de vivência de Bahia real! Uma amostra! Para mim, baiano de Santo Antônio, ex-morador da Bahia, uma oportunidade de matar a saudade. Para minha namorada, desconhecedora dos mistérios da Bahia, uma surpresa deliciosa!

Que ônibus pegar? Passa o primeiro, Terminal da França, via Paralela! Já começa não parando no ponto! Para que? Dando uma paradinha, quase que de favor, lá para frente! Não por causa do sinal que fizemos, mas sim porque um passageiro queria saltar! Para aí motorista! Abre só a dá frente! Aqui, se entra por trás, nos ônibus! Mas só quando abrem a porta! O que não foi o caso! O motorista não queria que entrássemos, sabia que não era para nós! O passageiro explicou: não pega esse não, é 3,50! Entendi, voltamos para o ponto!

Freneticamente movimentado, me lembrei da piada onde uma carioca estava espantada com a organização e civilidade baiana, num ponto de ônibus, todos numa fila militar! Esperavam o ônibus. Eis que chega! A fila se desfaz num bolo de gente na porta (dos fundos) todos querendo entrar ao mesmo tempo! !!! ??? Ela não entendeu! Explica o baiano: não era fila, minha flor, estavam apenas se protegendo do sol, na sombra do poste!

Para mais um “via Paralela”! A piada concretiza-se na nossa frente! Uma cambada de gente tentando entrar ao mesmo tempo, num ônibus que já não tinha mais espaço! Mas devagarzinho vai! Até que chega um filhote de buzu, uma porta só. Salta o cobrador gritando: “Salvador, Rodoviária! Dois real ou cinco vales! Vamo, vamo, vamo!” Fomo! Tem que pagar na porta! Tá, respondi, e já fui entrando! Ela não entendeu, mas acompanhou. Paguei dentro! De pé, no alto da escada, o carro segue viagem pela Estrada do Coco. Fecha a porta, grita o cobrador! Tem alguém pro Menandro? Eu, grita um senhor, com um bigode Rivelino, já querendo branquear! Pára no Menandro, Lucas!

Lucas breca depois do ponto, no posto de saúde. Salta o cobrador, e Rivelino!  “Salvador, Rodoviária! Dois real ou cinco vale!”

Entra um moleque, carregando um cesto com pastéis! Dá licença? Dei! Ele coloca o cesto sob o motor do carro! Onde minha amada não quis sentar! Tem juízo!

Segue viagem! O moleque puxa assunto, enquanto passávamos pela passarela do Bom Preço, na entrada de Lauro! Viram que aconteceu hoje? Travou tudo! O cara se jogou na frente do Dois de Julho! Sobrou nada! Novinho, vinte e poucos! Isso é corno! Com certeza! De bate e pronto, sentenciou Lucas! O cara é fraco! Gente nova assim, não guenta uma dor de corno! Já é a terceira vez que vejo o Dois de Julho pegar gente, conta o moleque!

Prim! Prim! Alô? Não sei, grita o cobrador! Estamos na viagem! Alguém vai saltar aqui? Segue! É Manuela, Lucas, que digo? Tô chegando! Tá chegando! Onde está, Lucas? Já em Patamares! Em Patamares! Na barraca do Mussunga? Ok! Ela está já lhe esperando na barraca do Mussunga!

Salvador, Rodoviária! Dois real ou cinco vale!

Segue viagem! Pé em baixo, avionado, segue Lucas cortando aqui, cortando ali, corta noventa em São Cristóvão, entre como quem vai para Estrada Velha. Não dá 10 metros, vê o retorno, volta 180, parece que se arrepende, e retorna a Dorival Caymmi. Sacolejando todo mundo. Pára de vez logo depois do posto, novamente salta o cobrador: Salvador, Rodoviária! Dois real ou cinco vale!

Que onda é essa, Peu? Grita Lucas! Deixa o povo entrar! Deixa pagar dentro! Cê tá atrasando a viagem! Esse filhote de rapariga não deixa a gente entrar! Foi dizendo uma baita Negra, olhando de cima!

Segue picado a viagem, Lucas!

Lucas, olha aqui, deu oitenta de resto! O cobrador passa o dinheiro para Lucas, que devolve 30! Êpa, tá faltando! Despirocou, perguntou Lucas? Vc me deu 70! Olha aqui! Tira o bolo do bolso, conta com as mãos enquanto conduz o humilhante com os cotovelos! Isso, picado!  Tá rebocado piripicado! Brada o cobrador! Lhe dei 80! Assim não fico, não ando mais contigo! Para o carro! Vou saltar! Breca o Lucas! Salta o cobrador! Não rodo mais contigo! Vou falar pro Valter!

Segue agora a viagem o moleque de cobrador!

Alguém para o Terminal de Mussurunga? Eu vô, disse.  É melhor para ir para o Centro de Exposições, não? Isso! Passa pela passarela!

Saltamos. Fui!  O Festival nos esperava! Que festa!

 Gorgonio Araújo, em 22 de janeiro de 2010